Jurisprudências

A real finalidade das jurisprudências

Poderia, aqui, discorrer sobre o tema deste artigo com uma linguagem muito mais revestida de tecnicidade, já que ele se destina, principalmente, aos profissionais do Direito, notadamente aos advogados e às advogadas mais jovens.

Em muitos anos dentro de salas de aulas, como titular de cadeira de Direito de Famílias em graduação, sei bem como esses cursos abordam o tema e, ainda, como esse conhecimento é passado aos graduandos.

E se apenas isso, ou seja, a graduação não ser suficiente a incutir na cabeça dos futuros advogados a ideia de que uma boa peça processual deve trazer todas as fontes do Direito, isto é, norma, jurisprudência e doutrina; logo em seguida vêm os cursinhos preparatórios ao Exame da Ordem (OAB) e intensificam essa concepção como uma necessidade absoluta. O que na prática não é o caso.

Não vou negar agora, que na formação acadêmica de um estudante de Direito ou mesmo de um bacharel às vésperas de cumprir uma das exigências ao ingresso nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (aprovação no Exame de Ordem), analisar esse tipo de conhecimento faz todo sentido. Afinal, como falei acima, trata-se das principais fontes do Direito e constatar que o formando ou o candidato tem essa exata medida me parece de rigor.

Contudo, passado esse momento, é quando, efetivamente, começa o jogo. Não se trata mais de aferição de conhecimento no mínimo necessário. A partir de então, o que importa é a análise dos fatos concretos e sua relação com o direito positivo e às normas adjetivas (processuais).

Na prática, juízes não irão avaliar o seu saber jurídico para aprová-lo ou reprová-lo ao exercício de sua profissão. Eles irão analisar se a matéria que lhe é trazida por meio de sua petição a pronunciamento judicial encontra base ou fundamento na hermenêutica da legislação.

Por maior que seja o número de processos sob o seu patrocínio, não se iluda, ainda assim, os magistrados terão mais sob a atividade judicante deles. Não se esqueça que o Brasil tem uma cultura de judicialização.

Partindo dessa premissa, então, onde se encaixa o uso de jurisprudências em um determinado processo?

Ouso dizer que, na grande maioria dos casos, em especial na área de Direito de Família, a utilização de jurisprudências é válida para, primeiro, sustentar temas não pacificados nos Tribunais; sejam de Justiça, seja em Cortes e Superiores; e segundo, em caso de demandas e pedidos complexos, a fim de trazer tranquilidade aos julgadores no momento de pronunciar favoravelmente à tese e o pleito.

Fora disso, o uso excessivo de jurisprudências, ainda mais quando essas são mansas em determinado sentido, não contribuirá em nada, absolutamente nada, às pretensões de seu cliente e às suas como advogado(a).

É a partir desse fundamento, aprendido e constado ao longo de mais de 20 anos em contencioso de Direito de Família, que oriento meus associados, todos muito mais jovens do que eu, a seguir uma ordem lógica para usar a colação de jurisprudências em nossos casos.

E nesse momento, também, não importa a sua fonte de pesquisas, dentre as quais cito as de maior relevância: Jubrasil, IBDFam, Jusfy, fora as bibliotecas digitais dos próprios tribunais.

Então, vamos a ela!

Bom, se é seguro afirmar que perante as Cortes Superiores não há reexames de provas, mas, somente análise sobre a harmonia de julgados com as normas vigentes, Constituição Federal, no caso do Supremo Tribunal Federal; e Normas Infraconstitucionais, em casos postos ao Superior Tribunal de Justiça; é, igualmente correto se ter como certeza, que a utilização de ementas de julgamentos trazidas deles só tem razão de existir, além das hipótese que já elenquei, quando houver erro grosseiro no grau de jurisdição para onde estiver peticionando. Do contrário, nada acrescem.

Exemplificativamente, qual a razão de se colacionar em petição dirigida ao juízo singular uma jurisprudência destas elevadas Cortes para estribar que os alimentos devem ser fixados entre os genitores, de acordo com as necessidades da prole e suas capacidades, na medida de suas possibilidades?

Ao meu sentir, inexiste.

Assim, é de maior relevância proceder à pesquisa sobre o modo como o(a) Magistrado(a) pensa e julga sobre determinada matéria.

Veja! Nesse ponto, estou formando entendimento, pelo qual o trecho de uma sentença prolatada pelo togado que analisa a controvérsia de casos sob o meu patrocínio, não raras vezes, são infinitamente mais relevantes do que um extrato de julgado dos mais altos graus de jurisdição.

Conhecer o juiz da causa. Este é um ponto chave à obtenção de êxito no primeiro grau. Um pulo do gato para quem souber se utilizar dele.

Mas, Doutor, e se a visão de Direito desse magistrado for diversa às pretensões do meu cliente?

Bom, aí sim, há uma necessidade de iniciar a preparação à subida dos autos para outras instâncias. O que justificaria, em tese, o uso de visões colegiadas diversas, inclusive para efeitos de pré-questionamento da matéria que será devolvida ao Tribunal ad quem.

Ainda assim, arrisco dizer ser mais relevante a direção que você dará a um processo, cujo direito e anseios de seu cliente são dissemelhantes da cognição do juízo singular, do que trazer jurisprudências analisadas de maneira rasa encontrada em sites de pesquisas, mesmo os mais utilizados.

Usando o mesmo exemplo ali de cima, te pergunto:

Sendo sabido que os alimentos devem ser fixados na relação entre as necessidades dos filhos e possibilidades de seus genitores, na proporção de suas capacidades contributivas, deveria você trazer uma jurisprudência nesse sentido?

Claro que não! Afinal, não te parece mais lógico trazer à colação um julgado que demonstre a forma como deve ser feita esta aferição, isto é, por onde essa fórmula deve iniciar?

Vou trazer dois tipos de jurisprudências, ou melhor, dois trechos de votos acerca da mesma matéria posta em controvérsia, para você, me dizer qual delas faz mais sentido ser apresentada ao Juízo, no exemplo que lhe dei, quando a lide versa sobre alimentos:

“[…] Assim, o julgador não deve se preocupar, inicialmente, com a capacidade econômico-financeira do alimentante, mas, ao revés, deve somente promover a correta identificação e a quantificação das necessidades essenciais do alimentado diante das circunstâncias e do contexto que permeiam a hipótese. Apenas quando atingir o primeiro elemento do binômio, isto é, a necessidade do alimentado, é que deverá o julgador partir para a segunda etapa do processo de fixação de alimentos, qual seja, investigar se o valor ideal (necessidade) se amolda às reais condições econômicas do alimentante (possibilidade). […]”1 

 

“Um dos mais tormentosos problemas do juiz é a fixação do valor da pensão. Não se pode fixar um quantum a ser exigido a título de alimentos. A lei determina que os alimentos sejam fixados “na proporção das necessidades do reclamante (ALIMENTADO), e a possibilidade do reclamado (ALIMENTANTE).  Deve-se observar o equilíbrio na obrigação de sustentar os filhos, a ser dividida entre os pais, sem que disso resulte prejuízo ao sustento de ambos. Entretanto, deve-se ter em conta também a relação entre os respectivos salários, já que o peso que um valor tem sobre remunerações diferentes é desigual.”

 

Parece-me que o primeiro, não é mesmo?

Ocorre que, ambas têm ementas praticamente idênticas. Portanto, em uma pesquisa jurisprudencial rasa você correria um seríssimo risco de trazer à lume um julgado, que poderia estar em sentido diametralmente oposto àquele por você sustentado. Pior! isso é muito mais comum do que você pode imaginar. Principalmente entre os mais jovens.

Portanto, o que desejo demonstrar a você com esse singelo artigo é que o uso de jurisprudências em peticionamentos deve ser pontual, mas, sobretudo certeiro. E ainda, devem seguir uma ordem lógica à utilização. Cada uma tem o seu espaço no curso de um processo.

No próximo artigo vou te mostrar que é possível sair das pesquisas rasas e uso inadequado de jurisprudências, com a aplicação do método que eu adoto na Rangel Aulicino Sociedade de Advogados.

Fique ligado.

Luiz Felipe Rangel Aulicino

 

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